Na noite de 18 de novembro de 2025, a história do futebol da Caribe foi reescrita. Com um empate sem gols contra a Jamaica no estádio Nacional de Kingston, o pequeno país de Curaçao — com apenas 156 mil habitantes — tornou-se o menor país da história a se classificar diretamente para uma Copa do Mundo. A vitória por pontos, não por gols, foi um golpe de mestre: 12 pontos no Grupo B, um a mais que os jamaicanos. Enquanto isso, o Haiti voltava ao Mundial após meio século de ausência, e o Panamá confirmava sua estabilidade como potência regional. O que aconteceu naquela terça-feira não foi apenas um resultado de tabela. Foi um sonho que se materializou contra todas as probabilidades.
Um país de 156 mil habitantes contra o mundo
Curaçao não tinha nem um único jogador nas ligas europeias de elite. Nenhum nome de destaque nos jornais. Mas tinha garra. E um técnico que, por ironia do destino, não pôde estar lá para ver. Dick Advocaat, o experiente treinador holandês que levou a seleção à classificação, deixou a ilha horas antes da partida decisiva por motivos familiares. Ficou em casa, na Holanda, enquanto seus jogadores, muitos deles profissionais da segunda divisão neerlandesa ou da liga local, entraram em campo com a pressão de um continente inteiro sobre os ombros. O empate 0-0 foi uma obra de arte tática: defesa compacta, contra-ataques precisos e um goleiro, Yanique Haye-Smith, que fez duas defesas de tirar o fôlego. A torcida de Curaçao, que lotou os bares de Willemstad e até os lares de diaspora nos Países Baixos, gritou como se tivesse vencido por 5 a 0. A classificação não foi um acaso. Foi o resultado de anos de investimento na base, com escolas de futebol financiadas pela federação local e parcerias com clubes da Eredivisie.Haiti: o retorno dos fantasmas
O Haiti havia sido a última seleção caribenha a disputar uma Copa do Mundo — em 1974, na Alemanha Ocidental. Naquela época, o país tinha um time cheio de talento bruto, com jogadores que jogavam no Haiti, na França e até no Canadá. Mas a crise política, a pobreza e a falta de infraestrutura fizeram o futebol haitiano desaparecer do mapa. Até 2025. A vitória por 2 a 0 sobre a Nicarágua, com gols de Jean-Jacques Pierre e Jonathan Pitroipa, foi mais que uma partida. Foi um ato de resistência. O técnico Jean-Jacques Pierre — não o jogador, mas o treinador homônimo — disse após o jogo: "Nós não jogamos para a CONCACAF. Jogamos para os 11 milhões de haitianos que nunca acreditaram que isso fosse possível de novo." O estádio de Port-au-Prince, que há 50 anos vibrava com o grito de "Haiti! Haiti!" voltou a ecoar. E dessa vez, o mundo escutou.Panamá: a constância do centro-americano
Enquanto Curaçao e Haiti faziam histórias, o Panamá fazia o que já sabe fazer bem: ser consistente. A vitória por 3 a 0 sobre a El Salvador, com dois gols de Édgar Benítez e um de Blas Pérez, confirmou sua liderança no Grupo A com 12 pontos e saldo de +3. O Panamá foi o primeiro time da região a se classificar para a Copa de 2018 — e agora, seis anos depois, volta a estar no topo. Não é um time de superestrelas. É um time de profissionais que jogam na MLS, na Liga MX e na própria liga panamenha. Mas sabe jogar junto. O técnico Ernesto Corti montou uma equipe com identidade: pressão alta, transições rápidas e um centroavante que nunca desiste. "A gente não tem o orçamento do México, nem o talento do Estados Unidos. Mas temos vontade. E isso basta", disse ele após o jogo.Suriname: o sonho que se desfez
A derrota por 3 a 1 para a Guatemala foi um soco no estômago para o Suriname. O time, liderado pelo capitão Shaquille Pinas, nascido em Roterdã, tinha tudo para fazer história. Era o primeiro time da nação a ter chances reais de classificação direta desde 1930. Os jogadores, quase todos descendentes de surinameses nascidos na Holanda, representavam uma nova geração que escolheu a pátria dos avós em vez da dos pais. Mas a Guatemala, que até então era considerada um time de passagem, surpreendeu com uma atuação agressiva e eficiente. O gol de empate de Pinas aos 28 minutos foi em vão. O gol da virada veio aos 87, e o terceiro, nos acréscimos. O estádio em Guatemala City explodiu. Em Paramaribo, o silêncio foi total. "Foi como perder o casamento da sua vida por causa de um erro de passagem", disse um torcedor de 72 anos, que estava presente em 1974, quando o Suriname perdeu para a Alemanha por 3 a 0.
O que vem a seguir: a repescagem e o futuro
As duas vagas restantes da CONCACAF vão para a repescagem intercontinental. A Jamaica e o Suriname enfrentarão Iraque, República Democrática do Congo, Bolívia e Nova Caledônia em partidas de ida e volta. Jamaica tem vantagem: tem experiência em Copas, jogadores na Premier League e um técnico de renome. Suriname, por outro lado, precisa superar o trauma. "Se a Jamaica se classificar, será a primeira vez que um time caribenho vai ao Mundial duas vezes seguidas", disse o analista Carlos Sánchez, da revista "Fútbol Latino". "E se o Suriname conseguir? Será o maior milagre do futebol moderno."Os que ficaram para trás
A Costa Rica, que chegou às quartas de final em 2014, foi eliminada após empate em 0 a 0 com a Honduras. Foi um fim triste para uma geração que viveu seus melhores anos. O técnico Óscar Ramírez admitiu: "Não foi falta de talento. Foi falta de unidade. E isso é mais difícil de consertar que um passe errado." A eliminação da Costa Rica foi a mais impactante do grupo — não só por seu passado, mas porque o país vive uma crise política e econômica que reflete no futebol. O que antes era sinônimo de qualidade agora é sinônimo de incerteza.Frequently Asked Questions
Como Curaçao conseguiu se classificar sendo tão pequeno?
Curaçao investiu por mais de uma década em escolas de futebol locais e parcerias com clubes holandeses, especialmente na formação de jovens. Muitos jogadores são filhos de imigrantes ou nascidos na Holanda, mas optaram por defender a seleção da ilha. O sistema de base é rigoroso, e a federação prioriza disciplina tática e coesão sobre individualismo. O resultado foi uma equipe coesa, com poucos nomes famosos, mas muita inteligência de jogo.
Por que o Haiti voltou só agora, após 52 anos?
Após a classificação de 1974, o Haiti sofreu com golpes militares, desastres naturais e colapso institucional. O futebol foi um dos primeiros esportes a cair na esquecimento. Só a partir de 2018, com o apoio da FIFA e de ONGs locais, houve investimento em estádios, treinadores e infraestrutura. O técnico Jean-Jacques Pierre, ex-jogador do Haiti, liderou um projeto de reestruturação que priorizou a identidade nacional — e isso rendeu frutos em 2025.
Quem são os principais jogadores da seleção de Curaçao?
Nenhum jogador de Curaçao atua em grandes ligas europeias, mas o time tem nomes-chave como o goleiro Yanique Haye-Smith, que defende o FC Den Bosch, e o meia Djevencio van der Kust, que joga na segunda divisão holandesa. O atacante Jordy de Vries, filho de um curaçauense e uma holandesa, marcou os dois gols na classificação contra o México em 2024. A força do time está na unidade — e não nos nomes.
O que significa a classificação do Panamá para o futebol da América Central?
O Panamá se tornou o segundo país da região, depois do México, a se classificar em duas Copas consecutivas. Isso mostra que, mesmo sem recursos do Brasil ou da Argentina, países menores podem ser constantes. O Panamá é um modelo de gestão esportiva: investe em jovens, mantém treinadores por longos períodos e evita o "futebol de estrelas". Isso inspira países como El Salvador, Honduras e Nicarágua a repensar seus modelos.
Por que a Jamaica ainda tem chances na repescagem?
A Jamaica tem mais experiência internacional, com jogadores como Alphonso Davies (não, ele é canadense — na verdade, o principal é Kemar Lawrence, da MLS) e um time que já jogou em Copas. Além disso, a equipe tem um treinador experiente, que já liderou a seleção na Copa Ouro. A repescagem é imprevisível, mas a Jamaica é favorita contra Suriname, Bolívia e até Iraque, por sua organização e qualidade técnica.
Qual é o próximo passo para Curaçao após a classificação?
A federação já anunciou que vai buscar amistosos contra seleções da Europa e da Ásia para preparar a equipe para a Copa. Também está negociando com clubes da Eredivisie para ceder jogadores em empréstimos de curta duração. O objetivo é garantir que a seleção não seja apenas uma surpresa, mas uma força real no Mundial. O treinador interino, Wesley Sneijder (ex-jogador holandês, que aceitou o cargo temporário), já disse: "Vamos mostrar que pequeno não significa fraco."